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PorMarco Aurélio Medeiros

Se não pagar ICMS, cuidado com o homem da capa preta!

Contra toda a noção de bom senso, desafiando a lógica econômica, e manejando os conceitos jurídicos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 18 de dezembro de 2019 ser crime o não pagamento de ICMS. E agora, como fica? Não pagou, vai preso? Imagina a alegria do fisco estadual com mais esse instrumento de pressão…

Se as Fazendas Estaduais já têm um histórico de ilegalidades na cobrança de tributos (só para ficar nas mais usuais: recusa em fornecer autorização para emissão de notas fiscais para inadimplentes, retenção de mercadorias em barreiras fiscais até que se pague o tributo, etc.), agora a tendência deve ser impulsionar processos criminais como regra.

É certo que para haver crime precisa estar presente o dolo, e caberá ao fisco demonstrar a intenção clara de o contribuinte manter-se inadimplente. Para os demais tributos, em caso de autuação, existe crime se ficar demonstrada a intenção dolosa de descumprir a legislação. Já no caso do ICMS, agora, bastar demonstrar a intenção de deixar de pagar o tributo. Em suma, foi criminalizada a inadimplência.

Contudo, como dito, deverá o fisco provar a vontade inequívoca de inadimplir. O inadimplemento por má gestão, por dificuldades financeiras, por erro, ou qualquer outra razão que não a vontade deliberada de deixar de pagar o fisco, não poderá ser criminalizado.

Outra questão relevante vai ser definir o responsável pelo crime. O diretor financeiro? O administrador? Qual administrador?

O enquadramento legal da decisão está no artigo 2°, inciso II da Lei 8.137/90, que tipifica o crime de apropriação indébita: “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

A crítica mais flagrante a tal decisão está no fato de que, apropriação indébita, até aqui, se aplicava nas retenções em que o contribuinte de fato e de direito é o terceiro, e não o inadimplente, como no caso das contribuições previdenciárias. No ICMS, embora o consumidor final suporte o peso do tributo, o contribuinte é o inadimplente. Ou seja, a empresa que não paga ICMS, a princípio – ao menos, até ontem – não está retendo dívidas de terceiros, mas a sua própria. Ou seja, é caso de inadimplência pura e simples, e não apropriação indébita. Daí a indigência econômica da decisão…

A se considerar que a apropriação decorre do fato de o consumidor suportar o peso do tributo, posto que o mesmo faz parte do preço, abre-se um precedente perigoso, haja vista que, naturalmente, todos os tributos pagos pela empresa estão no preço do produto de uma forma ou de outra. Sobretudo os chamados tributos indiretos, tais como IPI, ISS, PIS e COFINS, além do ICMS, e até mesmo o Simples Nacional, que é a união de todos os demais tributos incidentes.

Essa decisão do STF não tem efeito vinculante, e foi prolatada em um caso particular, mas inegavelmente, vai influenciar todas as demais decisões daqui por diante. Daí que todos esses pontos vão se acomodar de acordo com o amadurecimento da discussão sobre o tema nas futuras decisões judiciais.

Apesar de o ônus da prova do dolo ser do fisco, não custa ao gestor adotar um comportamento defensivo quando da iminência ou da ocorrência do inadimplemento do ICMS. Isso significa documentar o motivo da inadimplência, reunir provas, ou, ao menos, fazer o registro da dificuldade financeira, da ausência de saldo bancário, dos compromissos conflitantes etc. Isso porque o fisco tem 5 anos para fiscalizar, e pode não ser trivial demonstrar determinas situações depois de tanto tempo, se não houver registro dos fatos pretéritos.

Assim como ocorre em todos os crimes tributários, a quitação do tributo extingue a penalidade: qualquer inadimplência que venha a ser quitada ou parcelada deixa de ser um problema penal. Nesse particular, o peso do estado nas costas do empresário ficou um pouco maior.

PorMarco Aurélio Medeiros

Exclusão do ICMS na base do PIS/COFINS: modulação poderá acontecer em dezembro

O Presidente do STF, ministro Dias Toffoli, pautou para 5 de dezembro o julgamento dos embargos de declaração pendentes na ação que sumulou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS.

Com isso, aqueles que ainda não buscaram o judiciário a fim de recuperar os pagamentos indevidos ao longo dos último cinco anos, devem fazê-lo o quanto antes. Isso porque, ocorrendo a modulação, ou seja, a determinação de que a decisão vale apenas da data de sua prolação em diante, somente poderão recuperar o período retroativo aqueles que já tenham ações em curso.

Vamos aos detalhes.

Apesar de já estar consolidado o entendimento de que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS/COFINS, permanecem pendentes dois pontos que foram objeto de embargos de declaração pela Fazenda: a modulação dos efeitos, e a definição de qual valor deverá ser excluído da base de cálculo.

Em relação ao valor a ser excluído, a Receita Federal do Brasil (RFB) inovou, e, embora a decisão trate claramente de que deve ser excluído o ICMS incidente sobre a operação, ou seja, aquele destacado na nota fiscal, ela tenta emplacar a tese de que o ICMS a ser excluído é o recolhido pelo contribuinte. Uma bizarrice.

ICMS recolhido decorre de um confronto entre débitos e créditos de todas as operações do contribuinte em um determinado período de apuração, resultando um pagamento – ou um saldo credor – de acordo com a quantidade de créditos que o contribuinte tenha para com a Fazenda naquele mesmo período. Ou seja, algo totalmente divorciado do conceito de ICMS incidente na operação, o qual em nada se relaciona com a situação específica do contribuinte (se ele tem ou não créditos), não depende de um conjunto de operações (como ocorre com a apuração mensal), e deve ser analisado operação a operação.

O Ministério Público já se posicionou no sentido de que inexiste qualquer lacuna nesse sentido na decisão sumulada do STF, e a tendência é que se confirme o entendimento de que a exclusão deva ser a do ICMS destacado na nota fiscal.

O outro ponto pendente é a modulação dos efeitos. Trata-se de instrumento previsto em lei que possibilita ao STF dar efeitos de suas decisões somente de sua data em diante, sem possibilidade de retroação.

A princípio, pode parecer algo estranho: o STF entende que algo é errado, mas só é errado da data da decisão para frente?

Para trás era certo?

O objetivo do legislador era conferir segurança jurídica, dando ao STF a possibilidade de, nos casos em que a decisão tenha o potencial de causar um impacto nocivo, ainda que corrigindo uma anomalia, ela possa ter validade apenas prospectiva, e não retroativa.

O problema é que de boas intenções o inferno está cheio, e no Brasil há uma facilidade muito grande de se plantar jabuticabas.

A modulação, que deveria ser uma exceção, em matéria tributária está quase virando regra. Um dos argumentos sempre utilizado pela Fazenda é o prejuízo que a decisão causará aos cofres públicos. Apesar de o julgamento ser jurídico, o argumento veio da tesouraria.

Com isso, criou-se uma fábrica de ilegalidades, ou interpretações inusitadas – para dizer o mínimo – por parte do fisco, onde se cobram valores indevidos com frequência, posto que poucos contribuintes reclamam.

E quando as teses dos que reclamam chegam ao STF, depois de vários anos (a da exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS tem aproximadamente 15 anos), depois de muito se ter cobrado indevidamente, a Fazenda apresenta a conta da reversão da ilegalidade, diz que perderá bilhões, e o STF, não raro, decide que o certo vale só dali para frente, deixando o errado (os tais bilhões) por conta dos contribuintes.

Nesse sentido que, aproveitando a oportunidade de o entendimento estar sumulado em breve, e a modulação ainda não ter ocorrido, devem os contribuintes correrem para ajuizarem suas ações antes de dezembro, sob pena os bilhões ficarem por conta…

PorMSA Advogados

Contornos da guerra fiscal, benefícios concedidos sem aprovação do CONFAZ, e a posição atual do STF.

A Constituição Federal em seu art. 155, parágrafo 2°, inciso VI, estabelece que, salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, as alíquotas internas do ICMS não poderão ser inferiores às alíquotas interestaduais.

Esse mesmo parágrafo, em seu inciso XII, alínea g, determina ainda que caberá à Lei Complementar determinar de que forma os Estados e o Distrito Federal poderão conceder e revogar incentivos e benefícios fiscais.

Por sua vez, e cumprindo o mandamento constitucional acima exposto, a Lei Complementar n° 24 de 7 de janeiro de 1975 em seu art. 1°, assim determina: “As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal”.

Com base nos dispositivos legais mencionados, a posição do STF não poderia ser outra senão pela inconstitucionalidade dos incentivos e benefícios fiscais não autorizados pelo CONFAZ – Conselho de Representantes das Fazendas Estaduais, cuja regulação e funcionamento estão previstos na própria LC 25/75.

Os Estados, por sua vez, há décadas concedem incentivos e benefícios das mais variadas naturezas e formatos sem a autorização do CONFAZ: daí o termo “guerra fiscal”, pois à revelia dos demais Estados, cada Ente da Federação busca atrair empresas concedendo facilidades tributárias. Basta um Estado fazê-lo para que os demais se vejam obrigados a seguirem a mesma linha, pois do contrário, correm o risco de forte redução da arrecadação ante o esvaziamento de empresas migrando em busca de regimes tributários mais amigáveis.

Desse modo, a guerra fiscal acaba sendo travada em três frentes de batalha: i) Estados disputando quem concede o melhor incentivo, todos à revelia do CONFAZ; ii) Estados propondo ações diretas de inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo em relação a leis concessivas de outros Estados, buscando invalidá-las; e iii) Estados glosando créditos de empresas sediadas em seu território, que tenham comprado mercadorias de empresas sediadas em outros Estados, beneficiárias de incentivos fiscais.

A glosa de créditos já fui julgada ilegal pelo STJ, o qual entende, de forma pacífica, não ser possível penalizar os destinatários das mercadorias cuja operação de circulação tenha sido incentivada, devendo o Estado de destino, caso pretenda se insurgir contra a medida, buscar seus direitos diretamente em relação ao Estado de origem, e não em relação ao contribuinte. Os outros dois itens, no entanto, continuam sendo praticados.

O STF, como dito, tem se posicionado pela inconstitucionalidade de tais benefícios. Ainda não há decisão com efeito vinculante, de aplicação imediata a todo e qualquer benefício fiscal em vigor. De maneira que as discussões acabam tendo como alvo sempre uma lei específica, alvo de alguma ADIN; enquanto isso, os Estados seguem promulgando novas leis, e os contribuintes aproveitando suas benesses.

Entretanto, uma preocupação atormenta o sono desses contribuintes: caso o STF venha a julgar inconstitucional o benefício até então utilizado, estaria a empresa obrigada a recolher a diferença entre o valor devido e o efetivamente recolhido, retroativa ao início da utilização do regime especial em questão?

A princípio, a resposta é positiva: se o benefício é inconstitucional, jamais surtiu efeitos, e nesse sentido, seria devido o recolhimento da diferença ao menos em relação aos últimos cinco anos, obedecendo o prazo prescricional previsto no art. 174 do CTN.

No entanto, para alívio dos contribuintes, o STF tem aplicado o art. 27 da Lei 9.868/99 (lei da ADIN), e modulado os efeitos de suas decisões nesse sentido, ou seja, ao julgar um benefício fiscal inconstitucional, o faz com efeitos da decisão em diante, sem o efeito retroativo. Com isso, ficam os contribuintes livres de recolher toda a diferença de tributos, mesmo que o seu benefício venha a ser julgado inconstitucional.

Tal aplicação se baseia na segurança jurídica, por óbvio, visto que nenhuma empresa utiliza um benefício fiscal de má-fé, ao contrário, o faz acreditando na eficácia e validade de uma lei estadual: se o próprio Ente tributante descumpre ditames constitucionais, não deve ser o contribuinte o penalizado.

Em recente julgado neste mês de março, em pauta as ADINs 2.663 e 3.796, o STF entendeu inconstitucionais as Leis n° 11.743/2002 do Rio Grande do Sul, e 15.054/2006 do Paraná; contudo, modulou os seus efeitos. Em julgamentos anteriores, como dito, o Tribunal havia se posicionado da mesma forma.

Considerando que obter unanimidade dos Estados para concessão de benefícios fiscais é tarefa quase impossível, bem como vislumbrando a incerteza em matéria tributária que cerca os contribuintes quanto ao futuro – teremos reforma? Benefícios serão extintos ou validados pelo CONFAZ? –, saber que eventual mudança futura não retroagirá já traz algum alento. Afinal, segundo o ex-Ministro Pedro Malan, no Brasil até o passado é imprevisível; nesse caso, ao menos, tende a não ser.

 

Marco Aurelio Alves Medeiros

Advogado, MBA em Direito da Economia e da Empresa, MBA em Gestão de Negócios, Mestrando em Contabilidade Tributária, Sócio da MSA Advogados, e Diretor da Múltipla Consultoria.