“Eu tô perdido
Sem pai nem mãe
Bem na porta da tua casa”
Os versos do Cazuza refletem um pouco a sensação de maior abandonado que muitos gestores têm sentido: caixa baixo, atividade voltando aos poucos, imprensa focada em divulgar tragédias, e financiamento chegando, mas acabando logo.
Corre atrás do Pronampe, paga a rescisão do funcionário, não paga a rescisão e suspende o contrato, paga o imposto, ou fecha as portas e entrega a chave?
Você sabe qual é o custo da sua dívida? Qual a dívida mais cara: do banco, do fornecedor, do funcionário ou do imposto?
Temos recebido muitas consultas de empresários nessa linha, empenhados em manter o negócio funcionando, obrigados a escolhas de Sofia diárias. O problema continua sendo o caixa: empresas quebram por falta de caixa, nem sempre por falta de lucro.
Há quem precise reduzir a folha de pagamento, mas não o faz por falta de verbas para pagar a rescisão de funcionários. Ora, se não demite, aumenta o passivo, e a cada mês que passa paga um salário a mais para um funcionário prescindível naquele momento. Por outro lado, se demitir e não quitar a rescisão no prazo, a multa será de um salário desse funcionário (art. 477, da CLT). Melhor então demitir, não pagar no prazo, assumir o valor dessa multa, e deixar de ter custos mensais.
O empregado vai ficar desassistido? Não necessariamente. Entrega a guias do seguro-desemprego, o termo de rescisão do contrato de trabalho, e com isso ele consegue sacar o FGTS e receber o seguro. A rescisão, ele recebe parcelada, de acordo com a disponibilidade de caixa do empregador, já com a multa do art. 477 embutida. Se não há outro modo de fazê-lo, melhor assim, garantido a sobrevivência da empresa, e com o tempo pagando todos os compromissos. Melhor para o empregado também: de nada adianta ficar mais uns meses ligado a uma empresa ao final quebrada, com o risco de receber zero do que tem direito.
A mencionada multa do art. 477 da CLT é uma excrescência: cara para um pequeno atraso no pagamento, e barata para um atraso prolongado. Um dia de atraso e um ano dão na mesma. Melhor seria multa nenhuma, apenas a correção do valor devido, ou, quando muito, uma multa percentual – em patamares civilizados.
A multa por atraso de tributos é outro anacronismo: 20% do valor do tributo.
Em um país com juros de 2% ao ano e inflação perto de zero, uma multa de 20%, se cobrada por um particular, poderia levá-lo a responder um processo criminal por agiotagem.
O atraso no pagamento de tributos acarreta multa de 20%, como dito, e juros calculados com base na taxa Selic, hoje em 2% ao ano. Uma regra dessas transmite o seguinte recado para o contribuinte: se for deixar de pagar o tributo, que o faça por longo tempo; atrasar por pouco tempo é bobagem.
Como a multa é fixa, 20% para um atraso de 60 dias se torna um absurdo: anualizando essa taxa, o valor alcança pornográficos 198%.
Para um atraso de 60 meses já fica bem diluída; se atrasar 60 meses, e ao final pedir um parcelamento também por 60 meses, a diluição já vai para 120 meses, se tornando ainda mais interessante.
Ninguém deixa de pagar tributo porque quer; mas se o faz, fica difícil regularizar a situação – mais do que isso: como visto, regularizar em pouco tempo é até financeiramente desincentivador.
Fizemos as contas, e comparamos. O quadro abaixo mostra a taxa anual efetiva cobrada no débito tributário considerando vários cenários: o pagamento em 60 dias; o pagamento em um ano; o parcelamento em 60 meses depois de um mês de atraso; o parcelamento em 60 meses depois de 6 meses de atraso; e o parcelamento em 60 meses depois de 60 meses de atraso. Em todos os cenários consideramos a taxa Selic atual.
Além dos cenários tributários, comparamos ainda com outras fontes de financiamento: desde o excelente e inigualável Pronampe (ave rara, pouco vista por aí), até as operações normais de desconto, passando por outros financiamentos subsidiados em razão do Covid (folha e FGI).
Como se vê, quem quiser atrasar muito o tributo, vai pagar uma taxa parecida com a do Pronampe.
Naturalmente, não estamos aqui aconselhando ninguém a atrasar tributos, ou deixar de quitar rescisões trabalhistas. Há outras implicações para isso que também precisam ser levadas em conta: se o tributo for retido de terceiros, a inadimplência poderá ser considerada apropriação indébita, gerando responsabilização criminal; enquanto houver tributos em aberto não parcelados, não se consegue certidões negativas; a taxa Selic pode subir vertiginosamente; dentre outros fatores.
Por outro lado, é fato que, no meio da guerra, precisando escolher entre a sobrevivência e o bom mocismo, o empresário faz conta. Se há culpados, não estão eles à frente das empresas, mas criando – ou mantendo – legislações distorcidas a esse ponto. “O sapo não pula por boniteza, mas por precisão”, já lembrava Riobaldo, filósofo e jagunço.
O festejado financiamento com juros Selic + 1,5% ao ano entra em uma segunda e nova fase. Na primeira, apenas Caixa Econômica Federal e Banco Itaú conseguiram oferecer ao grande público. Nessa fase, a promessa é que Bancos Bradesco e Santander ofereçam.
Com a assinatura da MP 997 em 31 de agosto de 2020, um novo aporte de R$ 12 bilhões foi realizado pelo Governo Federal para o programa. Com isso, ambos os bancos acima citados já movimentam suas equipes e seus clientes para a captação dos empréstimos.
A dificuldade de conseguir aderir ao Pronampe foi tema de artigo escrito pelo sócio da MSA Advogados, Marco Aurélio Medeiros, em texto publicado no site contadores.cnt. Os bancos estão dificultando esse acesso ao financiamento disponibilizado.
Veja a matéria no site.
Cena 1. Interior. Agência bancária, cercadinho do gerente Oliveira.
Personagens: Oliveira, gerente da Caixa Brasileira de Descontos; e Flaviano, empresário, empregador, com negócio parado por conta da pandemia.
Flaviano está sentado na ponta da cadeira, coluna ereta; do outro lado da mesa o gerente Oliveira, relaxado, explica a situação.
OLIVEIRA: Pois é, meu amigo, o Banco ainda não está trabalhando com o Pronampe. Não sei como vai ser isso… Mas, fica tranquilo, tenho aqui uma linha de crédito para capital de giro sensacional: taxa de 0,98% ao mês, prazo de 60 meses, carência de 6 meses. Você só precisa fazer um depósito garantia de 30% do valor liberado, que fica em uma aplicação até a quitação da operação.
FLAVIANO: Mas a taxa do Pronampe não é 3,5% ao ano?
OLIVEIRA: Acho que sim, mas ih… não sei se isso vai sair. Se fosse você, já garantia logo essa oportunidade.
FLAVIANO: Trocar 3,5% ao ano por 0,98% ao mês, e ainda preciso depositar uma parte do valor, para vocês me emprestarem o meu próprio dinheiro cobrando juros??
OLIVEIRA: É a garantia, Flaviano, com essa taxa o banco precisa de garantias… Olha, ontem mesmo fechei uma operação dessas com o meu cunhado.
FLAVIANO: Oliveira, você não respeita nem os cunhados!
A cena acima só existe no campo da ficção, e qualquer semelhança com situações ou personagens reais é mera coincidência. Ou não.
O Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) é o empréstimo subsidiado e garantido pelo Fundo Garantidor de Operações (FGO), mantido pelo governo federal, e previsto na lei 13.999/2020.
O funding e o risco são inteiramente suportados pelo FGO; os bancos comerciais aderentes somente farão o intercurso operacional. O valor máximo disponível para cada contribuinte é de 30% da receita bruta auferida no ano de 2019. O prazo de pagamento é de 36 meses e o melhor, a taxa, é de 2,25% ao ano mais a Selic. Com a Selic atual em 2,25%, estamos falando de uma taxa de 3,5% ao ano: algo sem precedentes na história no que se refere a empréstimos para pequenas empresas.
O problema tem sido o dinheiro chegar na ponta. Os bancos estão aderindo aos poucos: acostumados a maiores spreads, não parecem muito motivados em oferecer essa linha de crédito.
Enquanto isso, o discurso tem sido o de que o Pronampe ainda não tem data para contratação, ao mesmo tempo que oferecem outras linhas “igualmente vantajosas”. Trocar 3,5% ao ano por 0,98% ao mês lembra os programas televisivos nos quais o sujeito respondia “sim” ou “não” para perguntas que ele não podia escutar, e acaba trocando um apartamento na praia por uma escova de dentes usada.
Considerando os relatos dos nossos clientes, a situação tem sido a seguinte:
As posições acima decorrem, como dito, dos relatos dos clientes, podem ser verdadeiras ou não, pontuais ou não. Mas fica o compartilhamento para os interessados.
Enquanto isso, o melhor a fazer é resistir às ofertas tentadoras de escovas de dentes usadas, e insistir na busca pelo Pronampe, pois outro igual, só na próxima pandemia…