No início da pandemia e do estado de calamidade pública decretado pelo Governo Federal, as empresas se mostravam receosas na adoção das medidas em relação aos contratos de trabalho em vigor, diante da ausência de um amparo legal. Contudo, após a edição das medidas provisórias que trataram sobre o tema, sobretudo a MP 936, o receio passou a ser a aplicação da norma a contratos de trabalhos específicos, dentre eles, o de trabalho temporário.
Embora a MP 927 (a primeira a tratar das alternativas para as empresas adotarem neste período de pandemia em relação aos contratos de trabalho, férias individuais e coletivas, teletrabalho etc.) traga em seu texto a previsão expressa sobre a aplicação da mesma aos trabalhadores temporários, o mesmo não ocorreu com a MP 936, que deixou essa brecha e vem trazendo muitas discussões.
Contudo, em tempos de guerra, não se mostra razoável criar obstáculos à aplicação de uma norma editada justamente para flexibilizar a legislação e aliviar as dificuldades enfrentadas por empresas e empregados. Logo, é indiscutível a possibilidade da suspensão do contrato de trabalho e da redução salarial nesses casos.
Ainda que o contrato de trabalho seja por prazo determinado e pareça incompatível a estabilidade exigida pela MP 936, a medida trará efetiva suspensão da prestação de serviços e da remuneração, logo, os dias da suspensão não serão contados para efeito de tempo de serviço e do prazo do contrato. Retornando o empregado às atividades, retornará a contagem do tempo restante.
Certamente, o cuidado maior se deve àqueles que estão em vias de findar o prazo do contrato e caberá às empresas que disponibilizam essa mão de obra adotarem a medida adequada a cada contrato de trabalho. Sendo assim, no que diz respeito à redução da jornada, o prazo desta redução deverá se ajustar ao prazo do contrato, levando-se em consideração a estabilidade exigida pela MP e, se for o caso, o mesmo deverá ser prorrogado para se adequar a esta exigência.
Quanto ao benefício emergencial previsto na MP 936, este não se confunde com o seguro desemprego e não pode ser negado, enquanto não editada outra norma que exclua os trabalhadores temporários o que, até então, não ocorreu.
Já as empresas tomadoras do serviço prestado por estes trabalhadores, caberá apenas a análise do contrato com a prestadora dos serviços. Caso as atividades sejam suspensas por completo, o melhor a se fazer é um aditamento ao contrato, prevendo a suspensão dos seus efeitos pelo mesmo prazo. Caso sejam apenas reduzidas as atividades, o aditamento deverá prever tal redução, pois afetará substancialmente o valor do contrato e, assim, ambas as partes serão resguardadas.
Algumas decisões judiciais precisam ser explicadas…
Depois da liminar que traz o sindicato para qualquer acordo que se faça para redução ou suspensão dos contratos de trabalho em razão da MP 936, a AGU apresentou embargos de declaração, aos quais o Ministro Ricardo Lewandowski respondeu com esclarecimentos à sua decisão.
Segundo o mesmo, a MP continua plenamente em vigor, e a partir do momento em que o acordo individual for firmado com o funcionário, a redução ou suspensão já possui aplicação. Ou seja, não é preciso esperar a resposta do sindicato para que tenha validade o acordado com o funcionário.
No entanto, se o sindicato, em 10 dias, se manifestar no sentido de iniciar uma negociação coletiva, novos termos poderão ser pactuados, e enquanto tal fato não ocorrer, mantém-se em vigor o acordo individual já assinado.
Melhor será que essa liminar seja cassada pelo plenário. O que nasce torto, continua torto, e o simples fato de uma decisão judicial necessitar explicação já demonstra como foi mal colocada.
Os 15 primeiros dias de afastamento do trabalhador por auxílio doença, que sempre foi um custo das empresas, no caso do Covid-19 passará a ser custeado pela previdência.
A Lei 13.982 de 02/04/2020, em seu art. 5°, admite que os valores pagos ao funcionário em caso exclusivamente de afastamento pelo Covid-19 sejam deduzidos do valor a pagar de contribuição previdenciária da empresa.
Foi editada a Medida Provisória 948 de 08/04/2020 prevendo que na hipótese de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem:
I – a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados;
II – a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou
III – outro acordo a ser formalizado com o consumidor.
O consumidor não terá custo adicional se fizer o pedido de cancelamento e remarcação até 08/07/2020.
Em tempos de pandemia, vivemos momentos de preocupação e dúvidas. O presidente acha histeria, a nova marolinha… Enquanto isso, os governadores decretam calamidade e fecham o comércio. No Rio de Janeiro, ninguém lembra mais da geosmina na água. Companhias aéreas cancelam voos, cruzeiros vagam à deriva pelo mar em busca de um porto que os recebam, e o fim do mundo inicialmente marcado para 2000, depois adiado para 2012, vai ganhando contornos na voz dos profetas de fatos consumados.
O gestor de empresa, debaixo desse fogo cerrado, toca como pode… Histeria ou não, fato é que os resultados já estão impactados, e não vou nem falar de bolsa de valores. Shoppings vazios, reuniões desmarcadas, voos cancelados, enfim, não precisa esperar 30 dias para o caixa sentir o efeito de uma economia parada.
A marolinha (do Lula) de 2008 se transforou em um tsunami de 2014 em diante, cujas águas entopem nossos pulmões até hoje. A histeria (do Bolsonaro) não aguardou tanto tempo. A seu favor, espera-se seja mais curta.
Nesse cenário de guerra, várias questões excepcionais precisam ser enfrentadas pelo gestor, de modo que deixamos nossa contribuição com algumas orientações nesse sentido.
Funcionamento
Vários estados estão publicando medidas para o combate da pandemia, de modo que as regras nesse sentido variam de acordo com o local. No Estado do Rio de Janeiro, somente há determinação de fechamento de órgãos públicos, segundo o disposto no Decreto 46.973 de 16.03.2020, e a suspensão de eventos com a presença de público: shows, casas de festas, feiras, cinemas, teatros etc, além de aulas escolares.
Em relação a shopping centers, academias de ginástica, bares, restaurantes, aviões, barcos, praia e piscina, há apenas a recomendação de que seja evitado o funcionamento ou a frequência. Contudo, não é uma imposição.
Relação com funcionários
Não há qualquer determinação legal em relação aos funcionários especificamente.
O home office é recomendação das autoridades, dentro da linha de menor contato e circulação possível, mas não obrigação. Naturalmente que há atividades nas quais a prática é inviável, e nesses casos, pouco se pode fazer.
Uma alternativa é colocar funcionários em férias (individuais ou coletivas), e adotar escalas de trabalho, aumentando a jornada e com folgas intervaladas, reduzindo assim o contato entre as pessoas dentro do possível.
Férias devem ser comunicadas com antecedência – as coletivas, ao Ministério do Trabalho, e as individuais ao próprio funcionário. Por isso, muitos clientes têm perguntado sobre como proceder para dar férias, dado que a situação está posta e inexiste comunicação prévia. Minha resposta:
(i) a situação é diferenciada e de saúde pública, de modo que há elementos mais do que suficientes para demonstrar a impossibilidade do cumprimento de tais formalidades;
(ii) em qualquer caso, se algum espírito de porco resolver discutir judicialmente um único mês, além dos sólidos argumentos jurídicos mencionados para contestá-lo, o risco tomado é baixo perto do bem estar da maioria.
Para os infectados e/ou em quarentena, a regra será a atual da previdência: de posse do atestado médico, os primeiros 15 dias serão indenizados pela empresa, e os demais pela previdência social.
Contrato de locação, inclusive shopping centers
Em shopping center o lojista não pode escolher os horários de funcionamento, deve obedecer aos horários da administração.
No entanto, o contrato tem validade enquanto não contraria normais legais. Assim, para as atividades com determinação de paralisação (escolas, cinemas, teatros etc.), não há o que se discutir em relação ao descumprimento contratual.
Para as demais atividades, considerando as recomendações do decreto, bem como as condições especiais de saúde para o caso de estabelecimentos de frequência pública, entendemos existir motivo de força maior para que o contrato seja descumprido, e o estabelecimento fechado, sem a possibilidade de qualquer penalização por parte do shopping.
O período sem funcionamento, porém, não justifica o atraso no pagamento de aluguéis e encargos, seja em shoppings, seja em locações normais. Entendo que, de igual modo, não é o caso de despejo ou medidas contratuais mais drásticas para inadimplemento nesse período, sem prejuízo da aplicação da multa moratória. O devedor, demonstrando ao juiz a intenção de pagamento, e ofertando um pagamento parcelado em prazo razoável, vai conseguir elidir uma ação de despejo.
Fornecedores
Vale a mesma regra da locação para inadimplência: paralisação de atividades não justifica atraso de pagamentos. É risco do negócio, e deverá ser negociado caso a caso.
Por outro lado, contratos de fornecimento que estabeleçam quantidades mínimas de aquisição poderão ser revistos. Novamente a teoria da força maior: não se pode obrigar uma das partes a manter as compras, se fatos que fogem ao seu controle, e totalmente imprevisíveis a impedem de cumprir a cláusula contratual nesse sentido.
Processos e procedimentos em órgãos públicos
Os órgãos da administração pública direta e indireta estão em sua maioria – senão todos – fechados. No entanto, os prazos em geral estão igualmente suspensos.
Até prazo de vencimento de carteira de motorista está suspenso.
Os prazos judiciais estão igualmente suspensos, salvo de processos eletrônicos.
Pagamento de tributos
O governo federal anunciou que a parte do Simples Nacional relativa aos tributos federais terá prazo de vencimento suspenso por três meses. O valor não pago poderá ser parcelado nos meses seguintes, até o final do ano.
Não saiu ainda o ato normativo que trate do tema, de modo que ainda não se sabe se sobre o saldo a parcelar haverá atualização pela Selic.
Em alguns Estados e prefeituras já há também postergação no pagamento dos seus respetivos tributos de competência. No estado e municípios do Rio de Janeiro, ainda não há nada nesse sentido.
O Departamento Nacional de Registro Empresarial (DREI) publicou a Instrução Normativa n° 76 de 09.03.2020 na qual estabelece normas gerais sobre as obrigações que as Juntas Comerciais devem observar acerca das disposições relativas à prevenção de atividades de lavagem de dinheiro.
A norma estabelece que as Juntas Comerciais deverão estabelecer e implementar seus próprios procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
No entanto, a IN já determina uma relação de situações que devem ser monitoradas e, se consideradas suspeitas, comunicadas ao COAF; são elas:
I – constituição de mais de uma pessoa jurídica, em menos de 6 (seis) meses, pela mesma pessoa física ou jurídica ou que seja integrada pelo mesmo administrador ou procurador;
II – registro de pessoa jurídica integrada por um ou mais sócios, procuradores ou administradores domiciliados em localidades caracterizadas como paraísos fiscais, nos termos definidos pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil;
III – registro de sociedade onde participe menor de idade, incapaz ou pessoa com mais de 80 anos;
IV – registro de pessoa jurídica integrada ou relacionada a pessoas expostas politicamente (PEP), nos termos definidos em norma do Conselho de Controle de Atividades Financeiras;
V – registro de pessoa jurídica com capital social flagrantemente incongruente ou incompatível com o objeto social;
VI – reativação de registros empresariais antigos com novos sócios e novo objeto social; e
VII – operações envolvendo pessoas jurídicas ou físicas domiciliadas em jurisdições consideradas pelo Grupo de Ação contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI) de alto risco ou com deficiências estratégicas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, segundo comunicados publicados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
VIII – registro de pessoas jurídicas diferentes constituídas no mesmo endereço, sem a existência de fato econômico que justifique;
IX – registro de pessoa jurídica cujo capital social seja integralizado por títulos públicos e/ou outros ativos de avaliação duvidosa;
X – reduções drásticas de capital social sem fundamento econômico;
XI – substituição integral ou de parcela expressiva do quadro societário, especialmente quando os novos sócios aparentem se tratar de interpostas pessoas;
XII – mudanças frequentes no quadro societário, ou no objeto social, sem justificativa aparente;
XIII – registros em que a identificação do beneficiário final seja inviável ou consideravelmente dificultosa; e
XIV – operações que possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016.
Quem vai definir se há indício ou não de crime será a própria Junta Comercial, com os procedimentos que a mesma deverá criar para o cumprimento da citada norma.
Eventual comunicação ao COAF não vai prejudicar o arquivamento do ato, assim como nada será informado à empresa objeto do registro. A comunicação se dará sem o conhecimento das partes envolvidas.
A IN entra em vigor a partir de 01.07.2020, a partir de quando os atos listados acima passarão a ser monitorados e, eventualmente, informados ao COAF.
O Decreto 10.271 de 06.03.2020 estabelece normas de proteção ao consumidor que deve ser observadas por empresas que realizar vendas pela internet (e-commerce).
Segundo a norma, no comércio eletrônico, deve-se garantir aos consumidores, durante todo o processo da transação, o direito à informação clara, suficiente, verídica e de fácil acesso sobre o fornecedor, o produto e/ou serviço e a transação realizada.
O fornecedor deve colocar à disposição dos consumidores, em seu sítio na internet e demais meios eletrônicos, em localização de fácil visualização e previamente à formalização do contrato, a seguinte informação:
I – nome comercial e social do fornecedor;
II – endereço físico e eletrônico do fornecedor;
III – endereço de correio eletrônico de serviço de atendimento ao consumidor;
IV – número de identificação tributária do fornecedor;
V – identificação do fabricante, se corresponder;
VI – identificação de registros dos produtos sujeitos a regimes de autorização prévia, se corresponder;
VII – as características essenciais do produto ou serviço, incluídos os riscos para a saúde e a segurança dos consumidores;
VIII – o preço, incluídos os impostos e a discriminação de qualquer custo adicional ou acessório, tais como custos de entrega ou seguro;
IX – as modalidades de pagamento, detalhando a quantidade de parcelas, sua periodicidade e o custo financeiro total da operação, para o caso de vendas a prazo;
X – os termos, condições e/ou limitações da oferta e disponibilidade do produto ou serviço;
XI – as condições a que se sujeitam a garantia legal e/ou contratual do produto ou serviço; e
XII – qualquer outra condição ou característica relevante do produto ou serviço que deva ser de conhecimento dos consumidores.
O fornecedor deve assegurar um acesso fácil e de clara visibilidade aos termos da contratação, assegurando que esses possam ser lidos, guardados e/ou armazenados pelo consumidor, de maneira inalterável.
A redação do contrato deve ser realizada de forma completa, clara e facilmente legível, sem menções, referências ou remissões a textos ou documentos que não forem entregues simultaneamente. O fornecedor deve apresentar um resumo do contrato antes de sua formalização, enfatizando as cláusulas de maior significância para o consumidor.
Por fim, o fornecedor deve outorgar ao consumidor os meios técnicos para conhecimento e correção de erros na introdução de dados, antes de realizar a transação.Igualmente, deve proporcionar um mecanismo de confirmação expressa da decisão de efetuar a transação, de forma que o silêncio do consumidor não seja considerado como consentimento.
Desde o dia 1 de janeiro deste ano está em vigor a MP 905 que trata do contrato de trabalho verde e amarelo, e traz ainda algumas outras alterações na relação entre empregados e empregadores.
Já publicamos um artigo sobre o tema, do qual recomendo a leitura para aqueles que desejam entender um pouco mais. Mas, em síntese, no período de 24 meses a contar do dia 01/01/2020, poderão ser contratadas pessoas entre 18 e 29 anos de idade, para fins de registro do primeiro emprego em Carteira de Trabalho e Previdência Social, com condições diferenciadas em relação aos demais funcionários, no limite de até 20% do total de empregados mantidos pela empresa. As condições são as seguintes: salário deve ser até 1,5 salário mínimo; pagamento de 2% de FGTS; e não pagamento da contribuição previdenciária patronal após expedido ato regulatório pelo Ministério de Economia.
Apesar de não ser pouco (afinal, em matéria trabalhista estamos na idade da pedra do engessamento e qualquer evolução é bem-vinda), essa não é a única alteração da MP. Foi extinta a contribuição de 10% sobre o FGTS no momento da demissão, regulamentação do recebimento de gorjetas, definição de novos valores para multas trabalhistas, dentre outras.
Ray Dalio é um gestor de fundos hedge e dono da Bridgewater, empresa de investimentos que administra alguns bilhões de dólares. É um bilionário que começou seu negócio do zero.
O título acima foi tirado do seu livro “Princípios” (Ed. Intrínseca), em cujo capítulo ele trata das ferramentas mentais para se tomar uma boa decisão. Como todo bom gestor, ele se interessa fortemente pelo funcionamento do cérebro humano, e usa esse conhecimento a seu favor.
Ele possui obsessão por sistematizar o funcionamento de tudo, sobretudo do que ocorre em sua empresa, incluindo processos decisórios.
Nessa obra ele explana de forma muito didática como se divide o funcionamento do cérebro quanto a decisões e reações emocionais e racionais, o que, aliás, já foi largamente tratado por outros autores.
São os mesmos princípios da inteligência emocional, termo criado por Daniel Goleman no livro de mesmo nome de 1995. Diferentemente de Goleman, que é Ph.D. em psicologia e promoveu diversas pesquisas de campo quanto ao funcionamento do cérebro, Dalio é um gestor de fundos hedge, e toda a sua análise é declaradamente construída sobre os ensinamentos profissionais de terceiros. No entanto, tal fato não diminui em nada a leitura, ao contrário, expõe questões, a princípio científicas, sob a ótica do leigo (embora um leigo bem versado no que está dizendo).
Em breve síntese, as decisões e reações emocionais são geradas pela amígdala, uma parte do cérebro que fica na sua região inferior, enquanto as decisões e reações racionais são processadas no neocórtex, na região superior do cérebro. Ambos os processos decisórios são importantes; o problema é o desequilíbrio, o que Daniel Goleman chama de sequestro emocional.
O sequestro emocional ocorre quando reagimos ou pensamos com a amígdala, quando deveríamos estar usando o neocórtex. Ray Dalio usa o termo cérebro inferior para tratar da região da amigdala e cérebro superior para tratar da região do neocórtex. Essa denominação se justifica tão somente por conta da localização dessas regiões no cérebro, e não porque um modo é melhor do que o outro.
A amígdala, ou cérebro inferior, processa nossa memória emocional, é responsável pelas nossas ações automáticas. Graças a ela não precisamos pensar e planejar o ato de escovar os dentes, abrir os olhos quando acordamos, ou mesmo correr para a calçada quando escutamos uma freada. Já no cérebro superior (neocórtex) planejamos nossas ações: desde resolver problemas matemáticos, até definir a estratégia da empresa para o ano seguinte, passando por escolher o melhor destino para viajar nas férias.
Como dito, ambos os sistemas são úteis. Se ao escutar a freada, o meu cérebro, no lugar de me impulsionar instantaneamente para a calçada, resolve usar o neocórtex para analisar se o carro está mesmo do meu lado ou não, corro um grande risco de ser atropelado. Fora que pensar o tempo todo cansa: somos programados para reconhecer padrões e rotinas, e incorporá-las às nossas atividades de modo a economizar energia.
Por outro lado, reagir instintivamente (cérebro inferior) quando se leva uma fechada no trânsito, a ponto de arrumar uma briga, jogar o carro em cima do outro etc., não é recomendável: trata-se de claro caso de sequestro emocional.
Assim, um primeiro passo na tomada de decisões de maneira eficiente é reconhecer que a maioria das decisões diárias são tomadas de forma inconsciente. Ray Dalio dá um ótimo exemplo: qual foi o método que você utilizou para manter distância segura do carro da frente na última vez que dirigiu? Consegue explicá-lo para alguém de forma detalhada, justificando a quantidade de metros relacionada com a velocidade, e todos os elementos envolvidos na situação? Difícil, pois foi uma decisão automática e inconsciente, tomada segundo a sua memória emocional, e não racional.
Identificar o tipo de decisão segundo a região do cérebro indicada para o momento é um avanço. A maioria das brigas conjugais acabariam nesse instante: o cérebro superior neutralizando as respostas automáticas do cérebro inferior.
Mas nem toda decisão empresarial requer o cérebro superior. Não há nada de errado em se usar a intuição em alguns casos, desde que se saiba ser aquela não uma decisão racional, mas baseada em padrões históricos do seu cérebro, os quais, em muitas vezes, funciona.
Sabendo que as emoções influenciam o processo decisório, é preciso reconhecer que a maior ameaça são as emoções nocivas. Se um gestor se nega a expandir o negócio para outros países porque, quando criança, sua família atravessou dificuldades quando a empresa do pai quebrou justamente por tentativas frustradas de expansão, temos aí o cérebro inferior atrapalhando uma decisão que deveria ser tomada com o cérebro superior.
Além disso, a tomada de decisão é um processo de duas etapas, segundo Ray Dalio: primeiro se aprende, depois se decide. E aqui ele dá uma série de dicas preciosas, são elas:
Nos dois últimos artigos (parte l e parte ll) tratamos dos benefícios para a rotina dos negócios ao se conhecer os procedimentos, conceitos e regras que envolvem as operações de fusões e aquisições (M&A na sigla em inglês).
Falamos sobre as etapas do processo, em especial as três primeiras: (i) aproximação, (ii) definição do valor alvo (valuation), e (iii) formalização do memorando de entendimentos (MoU, na sigla em inglês).
Nesse artigo vamos tratar da (v) definição do valor do negócio, contingências, garantias etc., e (vi) assinatura dos contratos de compra e venda e demais documentos auxiliares (business agreement, compra e venda de ações/quotas, acordo de acionistas/quotistas, contratos de prestação de serviço etc.).
(v) Due Diligence e Preço final
Assinado o MoU, começa o processo de due diligence, a auditoria do comprador nas contas, contratos, e operação do vendedor.
Aqui todos os contratos em vigor serão analisados, tanto com fornecedores, quanto com prestadores de serviços, funcionários e clientes. Potenciais riscos serão mapeados e valorados.
As informações que embasaram o valuation também serão checadas (contratos de fornecimento, processos internos, equipe de vendas etc.), a fim de analisar se as premissas utilizadas para projetar a geração de caixa são robustas.
O patrimônio será auditado. Eventuais ativos sem depreciação contábil, ou com valor de mercado abaixo do contabilizado, sofrerão um ajuste. O mesmo se dará em relação aos passivos: despesas e provisões eventualmente não lançadas vão gerar uma conta de ajuste. Pode ser um financiamento bancário sem a correta provisão de juros, uma dívida tributária lançada por valor nominal e sem os encargos, provisões de férias, 13°, e demissões, dentre outros ajustes.
Termina a due diligence, ou valida-se o valor inicialmente indicado para o valuation, ou se o rediscute. É muito comum que parte do valor do negócio seja pago a posteriori, na forma de earn out. Ou seja, um valor é pago no ato, e outro valor será pago no futuro (o earn out), à medida que a empresa alcance determinadas metas de performance.
Como falamos no tópico que tratou do valuation, boa parte do preço é fixada com base no futuro – o que se espera de geração de caixa. Assim, nada mais comum de que parte do preço se pague à medida que o futuro se confirme com o previsto. Em caso de não confirmação, nada haverá a pagar.
Quando se vende não a totalidade das ações, mas uma parte delas, de modo que vendedor e comprador se mantenham como sócios durante algum tempo, também é comum a estipulação de que parte do preço se dará, na verdade, na forma de investimento. Nesse caso, o vendedor recebe uma parte (cash out), e outra parte é aportada pelo comprador na companhia (cash in), diluindo o vendedor e representando uma aquisição de participação societária indireta.
Por fim, definido o preço e a forma de pagamento/investimento, há que se fazer o cálculo do caixa líquido, isto é, o casamento das contas a receber e a pagar, mais os ajustes resultantes da due dilligence: baixas de uns ativos, apreciação de outros, reavaliação de passivos etc. Se a conta der negativa, a diferença sai do preço; se der positiva, é acrescida ao preço.
Contingência, por definição, não significa dívida, mas uma possibilidade de dívida. É um funcionário que pode entrar na Justiça, um planejamento tributário agressivo que pode gerar uma autuação fiscal, um descumprimento contratual que pode gerar uma multa, dentre outros eventos pretéritos com potencial de gerarem despesas futuras.
Assim, a contingência em si não entra na conta do caixa líquido, mas como pode gerar desembolso futuro, o vendedor precisa garantir ao comprador o seu pagamento caso se confirme a despesa. Assim, ou garantias são prestadas (hipotecas de imóveis, fianças bancárias etc.), ou parte do preço fica retida, e à medida que o tempo passa e as contingências vão prescrevendo, os valores são liberados.
Acertadas as bases financeiras, é hora de negociar os termos do acordo.
(vi) Assinatura dos documentos de fechamento
Nos documentos de fechamento, uma série de questões levantadas pelos advogados fazem as partes voltarem a negociar. Em geral, questões laterais não são tratadas durante a negociação e a due diligence. Contudo, no momento de assinar os compromissos, elas precisam ser definidas.
Por isso, não é raro que negócios já previamente definidos acabem ficando pelo caminho nesse momento.
Embora laterais, muitas questões causam impactos significativos, como, por exemplo: prazo de non compete do vendedor, fórmula de cálculo do EBITDA (sobretudo quando ele será base para pagamentos de earn out), remuneração do vendedor enquanto diretor da companhia no período pós venda, dentre outros pontos.
Não é à toa que tais contratos costumam ser extensos. Cada situação de possível conflito deve estar contemplada ali, pois uma vez fechado o negócio e assinados os documentos, qualquer nova discussão começará do zero.
Daí que a assessoria de profissionais experientes conta muito: já possuem um histórico de diversas operações passadas, sabem aonde surgem os problemas, e possuem um rol de pontos de checagem já pronto.
A retirada do quadro com o retrato do fundador da recepção, a mudança de nome da empresa, a transferência de endereço de uma sede, a extinção de uma filial, tudo pode gerar controvérsias quando vendedor e comprador conviverão por um tempo na condução dos negócios. A definição de atribuições e limites, nesses casos, deve estar nos documentos de fechamento.
E não há necessidade de todas as condições negociadas estarem em um único documento. Dependendo de sua natureza, é até aconselhável que não estejam.
Se alguns acionistas vendedores se manterão como diretores, as condições dessa contratação deverão constar em um contrato de trabalho. O contrato de compra e venda de quotas, quando for o caso desse tipo societário, é um documento dissociado da alteração do contrato social. A prestação de garantias para as contingências, de igual modo, pode constar de instrumentos apartados.
E ainda, nos casos em que vendedor e comprador se mantenham no quadro societário, mesmo que temporariamente, um acordo de quotistas/acionistas regulando as diretrizes de voto é essencial. Junto com ele, é comum a alteração do estatuto com definição de regras para indicação de conselheiros e eleição de diretores, bem como a atualização de cláusulas diversas.
Todos os documentos mencionados acima devem ser assinados em conjunto. Como a negociação comercial e a due diligence levam algum tempo, e como a confecção desses instrumentos contratuais fica para o final, não é difícil ver advogados varando noites em reuniões para acertar os últimos detalhes e discutir os acertos finais: as partes têm pressa, e deixaram pouco tempo para essa fase. Mais um motivo para contar com profissionais experientes, e não deixar que a correria gere frutos indesejados lá na frente.
Como vimos, até para quem não quer vender ou comprar, a adoção de práticas de governança típica das operações de M&A beneficia qualquer empresa. Se não quer vender a sua empresa para alguém, venda para você mesmo; trabalhe como se o comprador estivesse atrás de cada esquina, pois o produto (seu negócio) ganhar valor.