No dia 27 de julho, foi assinado o Decreto n° 46.781/2019, que concede diferimento de ICMS nas importações realizadas no Estado do Rio de Janeiro. O fato foi amplamente noticiado pelo Executivo estadual, e o Decreto foi batizado de “Rio Importa mais”. A propaganda ficou boa.
O benefício, contudo, tem suas pegadinhas.
O objetivo é mitigar um pouco o êxodo de empresas importadoras para o Espírito Santo, Estado que tem se tornado imbatível na facilitação do ambiente de negócio para o importador exercer a sua atividade. Lá, como se sabe, o importador nada paga no desembaraço aduaneiro (possui diferimento total), e na saída interestadual paga somente o equivalente a 1,1% de ICMS.
O Decreto do Rio de Janeiro, é bom já adiantar, nem chega perto disso.
O novo benefício do RJ prevê diferimento parcial no desembaraço aduaneiro. O importador pagará 4% de ICMS no desembaraço, contra 18% que vinha pagando até então. Até aqui, excelente. Claro que o diferimento total seria muito melhor, evitaria de o importador adiantar valores. Mas como o ICMS é não cumulativo, o débito de saída vai absorver o pagamento da entrada, o qual poderá ser deduzido.
Agora, a parte ruim…
Para que o diferimento seja aplicado, é preciso que a saída das mercadorias importadas ocorra em até 60 dias para mercadorias sujeitas a comercialização, e 120 dias para mercadoria sujeita a industrialização. Em resumo, quem importou mercadoria terá que vendê-las em até 60 dias, e quem importou matéria prima, terá que vender o produto acabado em até 120 dias. Tudo, sob pena de, desrespeitados os prazos, o valor do ICMS incidente sobre a importação ser cobrado do contribuinte com multa e juros.
Parece até que temos dois estados diferentes: o do diferimento, focado em competir com estados próximos que lhe estão tirando empresas, emprego e renda; e o da regra absurda e esdrúxula de condicionar o diferimento a um evento futuro e incerto, proibindo o importador, na verdade, de manter estoque.
Na verdade, tal regra vai limitar o pleno aproveitamento de tal benefício pelos importadores, na medida em que serão obrigados a limitar suas aquisições ao estoque suficientemente pessimista de giro de 60 dias.
E no comércio internacional, quem compra pouco, paga mais caro no produto e no frete. Dependendo do produto, ou se for produto com marca própria, está arriscado nem conseguir importar quantidade tão pequena. Será obrigado a fracionar embarques, ter custo de armazenagem no exterior, e maior custo administrativo decorrente dessa multiplicidade de operações. Enfim, uma bizarrice sem precedentes.
O luminar que cunhou tal solução – certamente naquela velha linha brasileira de fechar as portas para uma minoria de fraudadores que importariam bens para uso próprio simulando um estoque para revenda, e prejudicando uma maioria de contribuintes honestos –, entende rigorosamente nada de comércio exterior.
Os prazos nas importações são diferenciados. Um produto leva da China ao Brasil, via frete marítimo, 30 dias para chegar. Logo, não há como programar compras internacionais para o estoque girar em 60 dias. Os estoques de produtos importados, não raro, giram em 180 dias, às vezes mais. Isso sem contar com os produtos que, por qualquer motivo, simplesmente “encalham”, não vendem… nesses, o contribuinte, como se não bastasse o prejuízo de manter um estoque sem giro, ainda vai suportar o pagamento do ICMS importação com multa e juros.
A se manter essa redação, tal benefício só aproveitará aos pequenos importadores.
O benefício não é autoaplicável, depende de processo administrativo na Secretaria de Fazenda, o que já indica uma certa demora para sua utilização. Os processos administrativos na SEFAZ são demorados.
Há a previsão para que o Secretário de Fazenda possa estabelecer novos requisitos e condicionantes para a fruição do tratamento especial, criação de limites de utilização ou exigência de garantias. Ou seja, o decreto está aí, mas não quer dizer que está valendo o escrito: se a SEFAZ resolver criar mais dificuldades ao contribuinte, poderá. Em resumo, deu-se ao Secretário de Fazenda o mesmo poder do Governador ao instituir o Decreto.
Por fim, o benefício não é cumulativo com outros regimes especiais. Assim, se determinada empresa possui um benefício fiscal setorial, mas deseja comercializar outros produtos não pertences ao setor beneficiado, precisará se reestruturar juridicamente. Precisará criar uma filial, ou outra empresa do mesmo grupo, pois o Decreto não admite a cumulatividade. Mais um anacronismo.
É comum a vedação de cumulação de benefícios, sobretudo porque a maioria deles está relacionada à operação de saída. No entanto, o benefício ora analisado refere-se tão somente a operações de entrada. De maneira que a cumulação, aqui, não representaria qualquer prejuízo para o fisco, ao mesmo tempo que evitaria custos de reorganização societária dos contribuintes, e fomentaria ainda mais a diversificação de negócios das empresas fluminenses.
Eis que a notícia é boa, sobretudo para aqueles que ainda estão no RJ importando a 18% de ICMS na entrada. No entanto, como vimos, a própria norma traz limitadores que inviabilizam grandes operações – podendo o cenário até piorar, de acordo com o comportamento da SEFAZ na análise dos requerimentos dos contribuintes.
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