Recentes decisões e discussões judiciais trouxeram impactos para os negócios imobiliários (compra, venda e locação), assim como para a estruturação patrimonial, tributária e sucessória de famílias e empresas. As notícias são boas! Vamos tratar de algumas.
Base de cálculo do valor do ITBI
O artigo 38 do Código Tributário Nacional (CTN) determina que a base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.
Valor venal, semanticamente, significa “valor verdadeiro”. No entanto, qual é o valor verdadeiro? Aquele indicado pelas partes na escritura, ou o da avaliação feita pelo Município?
As Fazenda Municipais adotam o princípio de apontar, como base de cálculo do imposto, o maior valor entre aquele indicado pelas partes na escritura e o valor de avaliação que a própria Fazenda possui em suas bases cadastrais.
Contudo, o valor de avaliação da Fazenda, por sua vez, de igual sorte é alvo de discussões: é o valor venal indicado para cálculo do IPTU, ou pode ser uma avaliação oficial diversa dos valores indicados para o IPTU?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolveu a questão na tese fixada sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n° 1.113), em julgamento de 24 de fevereiro de 2022 (Resp 1.937.821), o qual será de observância obrigatória por todos os juízes do país.
Para o STJ, a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições de mercado, ou seja, não pode ser nem o valor base do IPTU, nem qualquer outra avaliação da Fazenda Municipal. Em resumo, é o valor indicado pelas partes na escritura, qualquer que seja ele.
Caso a Fazenda entenda que o valor indicado pelas partes não condiz com as condições de mercado, seja porque houve uma simulação, fraude, ou qualquer outro tipo de transação (entre partes relacionadas, p.ex.) que adotou um valor diminuto e descolado do valor verdadeiro, caberá à Fazenda instaurar procedimento de fiscalização, e provar a ocorrência das situações descritas, posto que o valor declarado pelo contribuinte goza de presunção de veracidade.
A decisão é recente, e caberá às Fazendas Municipais atualizar o seu procedimento. Enquanto tal fato não ocorre, os contribuintes podem sofrer arbitrariedades quando da celebração de negócios imobiliários com a cobrança a maior de ITBI, caso em que deverá se socorrer do judiciário para ver o seu direito de pagar o valor correto atendido.
Data de pagamento do ITBI
Outra questão relativa ao ITBI se dá quanto ao momento em que é devido, ou seja, a sua data de pagamento. O artigo 35 do CTN determina que o fato gerador do tributo acontece na transmissão do imóvel ou dos direitos relativos ao imóvel.
A transmissão do direito de propriedade, por sua vez, só acontece quando do registro do titulo translativo (escritura, contrato social no caso de integralização, formal de partilha etc.) é feito no Registro de Imóveis.
Nessa linha, não há o que se falar em pagamento de ITBI quando da celebração da escritura de compra e venda. Ou quando do registro do contrato social, e nem em qualquer momento anterior ao registro do documento no Registro de Imóveis.
E foi essa a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 1294969, com repercussão geral (Tema 1.124), ou seja, de observância obrigatória por todos os juízes do país. Para o STF, o ITBI só é devido no momento em que o título é registrado no RGI, não antes, não na escritura nem em qualquer outro momento.
Contudo, a lei de registros públicos (Lei n° 6.015/1973) em seu artigo 30, inciso XI, determina que os tabeliães devem exigir o pagamento do ITBI no momento da celebração do ato. Já o artigo 134, VI do CTN, aponta os tabeliães como responsáveis solidários pelos tributos devidos em razão dos atos por eles lavrados.
Para resolver a questão, o PSDB ajuizou no STF uma ação direta de inconstitucionalidade para que esses dispositivos legais sejam declarados inconstitucionais.
Mas enquanto esses dispositivos estiverem em vigor – ainda que contrariando determinação do STF –, os tabelionatos continuem a exigir o ITBI quando da lavratura da escritura, o que é uma arbitrariedade. No entanto, não se pode condená-los por tentarem se proteger da Fazenda Municipal. Dificilmente algum contribuinte conseguirá lavrar uma escritura sem pagar ITBI, salvo se requerer uma liminar judicial para tanto.
Penhorabilidade do único imóvel do fiador
A impenhorabilidade do único imóvel decorre do disposto na lei n° 8.009/90.
Contudo, uma das exceções da lei é a fiança locatícia: o artigo 3°, inciso VIII é claro ao estabelecer que a impenhorabilidade não pode ser argumento de defesa para obrigações decorrentes de fiança concedida em contrato de locação.
Não obstante, o STF, em algumas decisões no passado, começou a relativizar o texto da lei, entendendo que no caso de fiança de imóvel não residencial o direito de moradia deveria se sobrepor ao crédito do locador.
Tais decisões – duas, na verdade – trouxeram considerável insegurança jurídica ao mercado imobiliário. E insegurança para o locador se traduz em dificuldade para o locatário: não raro, muitos proprietários passaram a exigir a apresentação de dois imóveis pelo fiador.
Para resolver a questão, o Supremo levou ao Plenário o tema em 8 de março de 2022, agora sob repercussão geral (Tema 1.127), e por 7 votos contra 4 foi fixada a tese de que é constitucional a penhora do único imóvel em caso de fiança locatícia, qualquer que seja a locação – residencial ou não.
Com isso, ganham todos: segurança e previsibilidade são essenciais para os negócios.
ITCMD sobre heranças no exterior
O último tópico não se restringe a negócios imobiliários, mas ao patrimônio em geral mantido no exterior por não residente, e transmitido a herdeiro ou donatário residente no país.
O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 851108, com repercussão geral (Tema 825), reconheceu a impossibilidade de os Estados cobrarem Imposto de Transmissão Causa Mortis (ITCMD) quando o doador ou falecido tiver residência no exterior, ainda que o herdeiro ou donatário seja residente no país.
Isso porque o artigo 155, §1°, Inciso III da Constituição Federal exige, para a cobrança, a regulamentação por Lei Complementar, a qual não foi ainda promulgada.
Até então os Estados vinham regulando a cobrança através de legislação interna, contudo, segundo o STF, os mesmos não possuem essa competência.
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