O Decreto 42.649/2010 do Estado do RJ concede regime especial de
tributação aos contribuintes que fabricam ou comercializam no atacado
produtos eletroeletrônicos e de informática nele especificados.
Como dito, o benefício é exclusivo para indústria e comércio atacadista.
No entanto, uma dúvida comum dos contribuintes nele enquadrados reside na
possibilidade de realizar vendas para pessoas físicas.
O Decreto admite várias interpretações. Vamos expor as questões
relativas ao exercício da atividade de varejo de início, para respondê-las ao final.
Desse modo, se quer saber:
1) O contribuinte incentivado pode realizar operações de varejo?
2) Se positivo, pode ser feita a operação pelo mesmo estabelecimento que
realiza operações de atacado?
3) Ou somente é possível através de outro estabelecimento?
4) Por fim, em ocorrendo a venda através de outro estabelecimento que não o
incentivado, como se dá a tributação na transferência e na saída do produto
para o consumidor final?
O art. 1° do Decreto 42.649/2010, ao indicar quem pode usufruir do
benefício, estabelece o seguinte (com o nosso grifo):
Art. 1.º A empresa industrial ou comercial atacadista, inclusive centro de
distribuição, estabelecida no Estado do Rio de Janeiro que realizar operações
de saída com produtos de informática e eletroeletrônicos relacionados nos
Capítulos 84, 85 e 90 e os classificados na posição 4821 e subitens 3705.90.10,
3926.90.90, 6909.12.20, 6909.19.20, 7104.90.00 da Nomenclatura Comum do
MERCOSUL – NCM e com eletrodomésticos produzidos no País e relacionados
no Anexo Único deste Decreto, poderá lançar um crédito presumido de ICMS
de forma que a carga tributária seja equivalente ao percentual de 2% (dois por
cento).
Repare-se que não menciona o texto legal o estabelecimento, mas a
empresa. Podemos tirar daí duas possíveis conclusões: (i) somente se admite no
benefício empresas unicamente industriais ou atacadistas, sendo vedado o
exercício de atividade diversa mesmo através de outro estabelecimento, ou (ii)
a empresa precisa ser industrial ou comercial atacadista, mas nada impede que
faça também outras atividades.
A interpretação (i) não nos parece a mais correta, por algumas razões: a –
em se tratando de vedação, deveria o texto da norma trazê-la expressa, e não o
faz (inexiste qualquer artigo que proíba a venda para varejo); b – há outros
artigos da norma que deixam implícita a possibilidade de existir operações a
varejo (ainda que por outros estabelecimentos), como é o caso do parágrafo 5°
do art. 1° e do art. 5°, abaixo transcritos, com os nossos grifos, vejamos:
§ 5.º Na entrada de mercadorias incluídas no caput, decorrente de
transferências entre os estabelecimentos atacadistas beneficiários e não
beneficiários do tratamento tributário especial previsto neste artigo, inclusive
por intermédio de estabelecimento varejista, o estabelecimento destinatário
não terá direito ao crédito do ICMS, ainda que não seja beneficiário do
referido tratamento.
Como vê acima, a norma menciona a operação de transferência (logo,
entre estabelecimentos da mesma empresa), e prevê a existência de um
varejista intermediário. E ainda:
Art. 5.º O benefício fiscal a que se referem os artigos 1.º e 2.º deste Decreto
somente poderá ser aplicado nas operações de saída dos produtos neles
especificados, realizadas para pessoa jurídica.
Acima se vê a ressalva de que o benefício somente se aplica nas saídas
para pessoa jurídica. Ora, tal previsão deixa a entender, a contrário senso, que é
possível ter saída para pessoa física, contudo, sem a aplicação do benefício. Do
contrário, bastava vedar a existência de saídas que não para PJ.
Desse modo, entendemos que a contribuinte incentivado pode realizar
operações para pessoas físicas. A questão que se coloca agora então é: tais
saídas podem ocorrer no mesmo estabelecimento incentivado, ou precisar ser
através de um estabelecimento varejista?
A redação do art. 1°, cominada com a redação do art. 5° nos leva a
entender, em princípio, que o mesmo estabelecimento poderia realizar
operações tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas.
O art. 6° da norma corrobora esse entendimento, vejamos (com o nosso
grifo):
Art. 6.º Fica diferido o pagamento do ICMS e do FECP incidentes nas operações
abaixo relacionadas, para pagamento no momento da saída da mercadoria
beneficiada ou não, do estabelecimento do adquirente de que trata o artigo
1.º deste Decreto, recolhido de forma global com o tributo próprio incidente
naquela operação ou, no caso de ativo fixo, para recolhimento no momento
da alienação do bem, pelo valor calculado com base no preço de mercado, à
época da alienação:
O art. 6° trata do diferimento na entrada, e ele admite ser possível diferir
os produtos listados no art. 1° em importações, por exemplo, e essa saída não
ser beneficiada. Ora, se não é beneficiada, seria o caso de vendas para pessoas
físicas (art.5°), pois não há outra hipótese de tal fato ocorrer.
Contudo, o texto legal se mostra ambíguo, e infeliz em diversos pontos
no que diz respeito à clareza legislativa.
O art. 16 contradiz tudo o que vimos sobre o tema até agora:
Art. 16. O contribuinte que aderir ao benefício de que trata este Decreto
deverá adotar os critérios de apuração do ICMS na forma nele estabelecida em
relação a todos os produtos indicados em seus artigos 1.º e 2.º que der saída,
vedada qualquer outra forma de apuração para os mesmos.
Como se vê, há contradições na norma: enquanto o art. 5° admite saídas
outras que não para PJ, e o art. 6° admite a existência de saídas não
beneficiadas, o art. 16 determina que a forma de apuração dos produtos
listados deverá ser a mesma em todas as saídas. Claramente, disposições
excludentes.
Essa não é, como dito, a única falha redacional da norma, e com ela
precisamos conviver.
Desse modo, o menos arriscado será o estabelecimento matriz transferir
os produtos para um estabelecimento unicamente varejista (o contrato social
deverá indicar atividade única de varejo para essa filial), concedendo crédito de
ICMS na transferência (pois o parágrafo 5° do art. 1° veda o aproveitamento de
crédito apenas na transferência entre atacadistas).
Com isso, na transferência o estabelecimento incentivado aproveita o
crédito presumido na operação e concede crédito de 19%, enquanto o
estabelecimento varejista aproveita esse crédito, tributando a sua saída com a
alíquota normal do imposto de acordo com o Estado de destino.
Em resumo, respondendo às perguntas iniciais:
1) O contribuinte incentivado pode realizar operações de varejo?
Resposta: Sim, pode.
2) Se positivo, pode ser feita a operação pelo mesmo estabelecimento que
realiza operações de atacado?
Resposta: A lei não veda frontalmente, mas não é aconselhável.
3) Ou somente é possível através de outro estabelecimento?
Resposta: é melhor que seja outro estabelecimento por conta do art. 16 do
Decreto, e de preferência exclusivamente varejista por conta do crédito de
ICMS na transferência.
4) Por fim, em ocorrendo a venda através de outro estabelecimento que não o
incentivado, como se dá a tributação na transferência e na saída do produto
para o consumidor final?
Resposta: Sendo o estabelecimento exclusivamente varejista, o
estabelecimento incentivado paga 3% de ICMS de alíquota efetiva (se for
atacado) e concede crédito de 19%, e o estabelecimento varejista aproveita
esse crédito, tributando a sua saída com a alíquota normal do imposto de
acordo com o estado de destino. O valor da transferência poderá ser o valor
da entrada mais recente, ou o usualmente aplicado nas operações de atacado,
na forma do art. 8°, incisos I e III do Livro I do RICM-RJ.
Marco Aurelio Alves Medeiros
Advogado, pós graduado em Direito Econômico e em Gestão de Negócios,
ambos pela FGV/RJ, Mestrando em Contabilidade Tributária pela FUCPAE/RJ,
sócio da Múltipla Consultoria e da MSA Advogados.
Sobre o autor