Alguns dramas não são públicos, pelo menos não a sua existência, embora os seus efeitos alcancem muitos: sobretudo os que não sabem que estão pagando a conta.
Quem não é contador, ou advogado tributarista de verdade, talvez nunca tenha ouvido falar em “EFD REINF”. Você que não escutou, provavelmente está pagando essa fatura…
Trata-se de uma obrigação acessória das empresas – uma declaração entregue ao fisco, mais uma dentre tantas que as pessoas jurídicas precisam entregar às Fazendas Federal, Estaduais e Municipais – que o contador envia mensalmente à Receita Federal do Brasil.
Já começa o problema por aí: EFD REINF, EFD Contribuições, DCTF, DCTF WEB, E-SOCIAL, GIA, DECLAN, EFD ICMS, uma sopa de letras que representam dezenas de relatórios (declarações) entregues pelos contadores ao fisco de todas as esferas mensalmente (umas anualmente, outras mensalmente, outras trimestralmente etc.), muitas delas pedindo informações já enviadas em outras, e informações já enviadas para o mesmo órgão por outras pessoas que não o contribuinte. O que ocupa tempo das empresas é isso, e não a quantidade de tributos no país!
A famigerada REINF é objeto desse texto pelo fato de que a Receita Federal do Brasil (RFB), que já exigia antes tal declaração, passou a exigir a partir da competência setembro (prazo de entrega em 11/10/2023) uma série de informações que antes estava restrita a outras declarações, tais como retenção de tributos (era devido anualmente na DIRF), recebimentos de cartão de crédito, pagamento de dividendos etc.
Em resumo, muito do que antes se exigia anualmente, passou a ser exigido mensalmente, além de outras novas informações que o contribuinte jamais precisou entregar, como extratos de cartão de crédito (pelo simples fato de que as administradoras já enviam essas mesmas informações para o fisco). Os contadores tiveram que correr, e a RFB acabou prorrogando o prazo de entrega – contudo, o fez no último dia, claro, pois facilitar não é prioridade, e era preciso deixar os contadores sofrendo até o último minuto.
Enquanto isso, discutimos reforma tributária como o Santo Graal capaz de reduzir o tempo que as empresas gastam para apurar os seus tributos, e melhorar a competitividade do país.
Trocar o tributo, mas manter esse abuso regulatório nas obrigações acessórias, tentando, a todo instante, melhorar a arrecadação com novos controles e, pior, deixando por conta do contribuinte a realização desses controles sob pena de pesadas multas, temos certeza, não vai melhorar em nada a vida das empresas. Está arriscado piorar: serão os mesmos problemas, agora com atores novos.
Para melhorar o cenário relativo às obrigações acessórias – e com isso, realmente, melhorar o tempo que as empresas gastam apurando os seus tributos –, não precisamos de reforma tributária. Dá para fazer com o que temos hoje. Então por que correr se nem aprendemos a andar? Por que não focar nos problemas que podem ser resolvidos hoje?
Não somos contra uma reforma bem-feita – e essa não tem caminhado exatamente nesse sentido –, mas vamos arrumar o nosso quarto antes de tentar mudar o mundo?
Para melhorar o manicômio das obrigações acessórias, nem mesmo lei se faz necessário: a maioria delas é criada por decretos, instruções normativas, resoluções e outros atos do Poder Executivo.
Aliás, as tentativas legislativas de melhorar o ambiente predatório nas obrigações acessórias foram obstadas pelo próprio executivo!
Em 1° de agosto de 2023 foi publicada a Lei Complementar n° 199, autointitulada “Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigação Tributária Acessórias”, de iniciativa do Congresso Nacional, com diversos artigos vetados pela Presidência da República.
A título de exemplo, seguem algumas das disposições inicialmente contidas na LC 199/2023, e que posteriormente foram vetados pelo presidente:
(i) Instituição da Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e): ou seja, o fim de uma NF por estado, e, pior, por município!
(ii) Instituição da Declaração Fiscal Digital Brasil (DFDB), que terá informações dos tributos federais, estaduais, distritais e municipais e unificará a base de dados das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ou seja, o fim do manicômio das declarações, como a malfadada REINF, e todas as informações centralizadas em uma única declaração.
(iii) Instituição do Registro Cadastral Unificado (RCU): seria o fim de uma inscrição estadual para cada filial, inscrição municipal, registro no INEA, registro no órgão x, órgão y etc…
Em suma, três singelas determinações legais que, por si só, teriam um efeito – ao menos imediato – muito mais poderoso de reduzir o tempo gasto pelas empresas na sua relação com o fisco, mas que o Presidente achou por bem vetar.
Risível é a razão do veto, vale transcrever (destacamos):
“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, tendo em vista que a criação da NFB-e, da DFDB e do RCU poderia aumentar custos no cumprimento das obrigações tributárias, além de custos financeiros para a sociedade e a administração pública, devido à necessidade de evoluir sistemas e aculturar a sociedade a novas obrigações. Ademais, há atualmente no País um conjunto de documentos fiscais eletrônicos em pleno funcionamento, com processo natural de evolução e simplificação a ser realizado de maneira estruturada e em observância aos princípios da eficiência e da economicidade.”
Então fica assim, vamos exterminar duas dúzias de declarações, instituir uma única, mas vai ser um custo muito grande para a sociedade ter que aprender a preencher essa nova declaração, e abandonar o prazeroso hábito de enviar as outras todas…
Enquanto isso, criamos uma “nova REINF”, um mês depois dos vetos (aqui, os áulicos da Fazenda devem ter dado as suas gargalhadas), exigindo uma miríade de novas informações, sem qualquer preocupação com a necessidade e os custos de aculturar a sociedade para as novas obrigações – as quais, de resto, chegam todos os anos para as empresas.
Como pouca gente, além dos contadores, sabe disso, a caravana passa e os cães ladram. Mas a conta chega para todo mundo.
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