Quem nunca recebeu uma proposta para comprar créditos contra a Fazenda Pública aptos a quitar débitos tributários, com um deságio interessante, em uma operação simples, rápida, e com o pagamento somente após a quitação do tributo? Quem nunca recebeu uma proposta para comprar créditos contra a Fazenda Pública aptos a quitar débitos tributários, com um deságio interessante, em uma operação simples, rápida, e com o pagamento somente após a quitação do tributo?
Infelizmente, com muita frequência, toda a sentença do parágrafo anterior é falsa do início ao fim.
Para começar, a Receita Federal do Brasil (RFB) não aceita a compensação de débitos tributários com créditos de terceiros. De fato, o artigo 74 da Lei n° 9.430/96 menciona a possibilidade de compensação com débitos próprios, e a Instrução Normativa RFB n° 1717/2017, no seu artigo 65, estabelece o mesmo.
O CARF possui precedentes admitindo a compensação com créditos de terceiros, contudo, somente quando a cessão do crédito se tenha dado judicialmente, ou seja, nos autos do processo onde tais créditos foram reconhecidos. Mas para a discussão chegar no CARF, o contribuinte precisa ser autuado pela fiscalização antes…
Na justiça, de igual modo, também há precedentes favoráveis, inclusive do STJ, admitindo a compensação com créditos de terceiros, segundo a interpretação de que, depois de cedido, o crédito não mais é de terceiro, mas do próprio contribuinte que possui os débitos. De novo, se precisou de justiça, é porque administrativamente a coisa não foi resolvida…
Em resumo, quem compra crédito tributário precisa estar disposto a brigar, pois a compensação não vai ser simples, rápida e fácil. Quem vende essa facilidade está mentindo.
O argumento de que o pagamento pelos créditos se dará apenas após a quitação do débito é outro embuste.
Toda compensação extingue, de fato, o débito; contudo, assim o faz sob condição resolutória de futura homologação pelo fisco. Traduzindo: o contribuinte entrega a declaração de compensação, o débito é baixado do sistema, mas em até cinco anos a Fazenda pode (e vai) analisar todo o procedimento. Caso se encontre qualquer irregularidade (crédito não existe, crédito não é do contribuinte etc.), o débito volta para o sistema.
Daí que, quitação mesmo do débito só se obtém com a homologação da compensação, a qual ocorre em até cinco anos, e não com a entrega da declaração de compensação. Os vendedores de créditos, claro, querem receber o preço na entrega da declaração, e não na homologação. Até aí, é um direito de qualquer vendedor estabelecer suas condições; só não podem alardear uma garantia inexistente com a mentira de que só recebem quando o comprador não possui mais risco.
Um outro problema é a inexistência de qualquer garantia de que o crédito vendido já não tenha sido transferido para alguém antes.
Créditos tributários não possuem um controle prévio promovido pela RFB, o qual possa ser consultado pelos interessados a fim de se certificar quanto ao saldo existente na data de hoje. Eles são transferidos por escritura pública, mas nada impede de se transferir mais crédito do que se possui – por boa ou má-fé.
Até aqui, tratamos de problemas práticos, considerando uma operação de boa-fé, envolvendo créditos existentes e vendedores honestos. Mesmo se tudo estiver OK, quem compra precisa estar disposto a brigar, a assumir riscos, e a atravessar todos os percalços acima. Daí que o deságio deve compensar o esforço e a dor de cabeça.
O cenário, no entanto, pode ficar pior.
Com todas essas incertezas, o ambiente acaba se tornando propício para a atuação dos aprendizes de feiticeiro: aqueles que vendem créditos inexistentes, soluções mágicas, títulos da dívida federal de 1910, e outras trapaças.
Quase toda semana um cliente me consulta acerca de uma oferta de créditos recebida por e-mail, ou mesmo por um amigo que agora está trabalhando nesse mercado, não raro atrelado a um escritório que nem mesmo o amigo conhece direito (e por isso acaba se sujeitando a oferecer golpes por aí sem saber).
As propostas são sempre parecidas: crédito de bilhão, mantido por um sindicato de funcionários públicos de Rondônia (ou outro Estado longe), algumas cópias de uma decisão judicial da década de 1990, uma procuração por instrumento público para o vendedor lavrada em um cartório do Paraná (não sei porquê, mas sempre colocam quase todos os 8,5 milhões de km² do Brasil entre a procuração e o dono do crédito), e uma tela do comprot (sistema de acompanhamento de processos da RFB) com um número de processo administrativo de habilitação de crédito.
A minha primeira pergunta é sempre a mesma: se o vendedor tem bilhões em crédito, por quê não foi vende-los para a CSN, Vale do Rio Doce, Bradesco, Itaú e outras empresas que pagam centenas de milhões de reais de tributos todo mês, e ainda possuem linha direta com o Ministro da Fazenda para confirmar a veracidade do mesmo? Por que veio oferecer uns caraminguás justo para mim? Essa pergunta fica, invariavelmente, sem resposta.
E, naturalmente, quando começo a discutir todos os pontos acima, o feiticeiro desiste. Ficou claro que a compra e utilização de créditos é possível, mas está longe de ser um eldorado. Quem compra precisa de disposição, e um deságio atrativo, pois lhe espera um caminho de turbulências e provações.
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