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PorMarco Aurélio Medeiros

Inconstitucionalidade da Taxa de Licenciamento Sanitário para atividades de baixo risco

Prática comum das Administrações Municipais pelo Brasil é a instituição de licenças renováveis, com o objetivo de arrecadar taxas anuais das empresas em geral. É o caso do alvará de localização, e da cada mais frequente taxa de licenciamento sanitário.

No município do Rio de Janeiro, desde 2018 temos um novo regramento para o licenciamento sanitário, que é a Lei n° 197 de 27.12.2018. Nos demais municípios as normas locais são parecidas, e o estudo de caso abaixo se aplica às demais cidades brasileiras, sobretudo porque o cerne da questão ora debatida é a exigência do licenciamento em si para atividades de baixo risco, no contexto da constituição federal e da lei federal n° 13.874/2019 (lei de liberdade econômica).

Como dito, a lei 197/2018 em seu capítulo X trata da taxa de licenciamento sanitário da seguinte forma (o grifo é nosso):
Art. 160-A. A Taxa de Licenciamento Sanitário tem como fato gerador o exercício regular, pelo Poder Público Municipal, de autorização, vigilância e fiscalização relativas às atividades sujeitas a licenciamento nas áreas de que trata o Código de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária.

Seção II Do Contribuinte
Art. 160-B. O contribuinte da Taxa é a pessoa física ou jurídica em cujo estabelecimento se exerce atividade sujeita, nos termos da legislação, a licenciamento nas áreas de que trata o Código de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária.

O artigo 160-C determina que a Taxa deverá ser paga pela concessão do licenciamento e calculada de acordo com a aplicação das tabelas ali indicadas, dentre as quais, a tabela de risco de atividade, a qual prevê o pagamento de taxa para atividades de baixo risco.

O fator de risco é, inclusive, parâmetro para fixação do valor da taxa, conforme indicado no §1°: novamente, trata-se de prática comum não só na legislação carioca a fixação da taxa de acordo com o grau de risco.

Ocorre que o parágrafo único do artigo 170 da Constituição Federal assim estabelece: 
É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

E atendendo ao princípio constitucional da livre iniciativa, contido no dispositivo constitucional acima transcrito, tivemos a promulgação da bem-vinda lei n° 13.874/2019, a qual institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. A referida lei, já em seu artigo 3°, assim determina (o grifo é nosso):

Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
I – desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;

Como se vê, a regra, em todo país, é o livre exercício de atividade de baixo risco independentemente de autorização estatal.

De acordo com o §1° do referido artigo, a definição de atividade de baixo risco ficará a cargo da legislação municipal, distrital ou estadual, e na falta dessas, de ato do Poder Executivo Federal. 

No entanto, correntemente, as próprias legislações que criam tais taxas já apontam quais são as atividades de baixo risco, pois, como dito, o grau de risco influencia no valor do tributo cobrado. Assim, o problema não é definir a atividade de baixo risco, mas exigir licenciamento, e, por conseguinte, cobrar taxa para concedê-lo ou renová-lo.

Isso porque a taxa é uma espécie de tributo que exige uma contrapartida do Ente Tributante: se não há licenciamento ou necessidade de autorização, como cobrar por isso? 

O artigo 77 do Código Tributário Nacional (CTN) assim admite a cobrança de taxas, com o nosso grifo:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Não se discute a inexistência de serviço público a justificar a cobrança da taxa: as próprias normas municipais fundamentam a sua cobrança no exercício do poder de polícia, ou seja, na fiscalização da atividade, e não na prestação de um serviço que, de fato, não se observa.

Por sua vez, ao menos para tal finalidade tributária, o artigo 78 do CTN traz o seguinte conceito de poder de polícia (grifamos):

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Ora, se o exercício de atividade econômica de baixo risco independe de autorização, não há o que se falar em poder de polícia. Não cabendo à autoridade administrativa regular a prática do ato, como indica o dispositivo acima, tampouco se admite a sua fiscalização, menos ainda, a cobrança por tal atividade.

Em última análise, a importância que as Fazenda Municipais concedem a tais licenças residem, em grande parte, na arrecadação advinda da cobrança das taxas. Do lado dos contribuintes, o encargo é dobrado: não só pesa a cobrança do tributo, como a burocracia para obtenção das malfadadas autorizações de funcionamento, um sumidouro de recursos financeiros, energia e tempo que poderia estar sendo investido no negócio em si.

Enquanto as leis municipais não se adequam – se é que o farão algum dia, dado que as taxas para atividades de baixo risco não são tão altas, e para muitos sai mais barato pagar do que brigar –, a única forma de evitar tais cobranças será recorrer ao judiciário.

Deve-se, no entanto, ter em mente que a inexigibilidade de autorização não só ajuda a evitar o tributo, como também a afastar qualquer obstáculo imposto pela Administração Pública no exercício desse tipo de atividade.