O Brasil ainda está preso a um anticapitalismo selvagem.
Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central.
Sofremos da bipolaridade “Estado Grande x ambiente empreendedor”. Depositamos no Estado a solução de todos os problemas nacionais, exigimos retorno dos nossos impostos, exigimos saúde, educação, segurança, estradas conservadas, iluminação etc. Mas não gostamos de pagar pedágios nem tributos.
Como a turma que administra o país e faz as suas leis possui a mesma matéria prima e foi criada na mesma cultura, os sinais que recebemos seguem idêntica linha: ora absurdos, como essa proposta de reforma do IR, ora iniciativas elogiáveis, como o novo marco legal das Startups, que aproveitou para reformar alguns pontos na lei das S.A, facilitando o seu uso por todos os tipos de empresa.
Trata-se da Lei Complementar n° 182, de 1 de junho de 2021, e que entra em vigor no final de agosto, 90 dias após a sua publicação.
A Lei Complementar 123/2006 (Lei do Simples Nacional), no artigo 61-A, incluído pela LC 155/2016, já previa a figura do investidor anjo. Quem quiser um pouco mais de detalhes, pode consultar as matérias sobre o investidor anjo para as empresas do simples e a de que empresas do simples podem receber aportes através do investidor anjo, que falam um pouco mais sobre o tema.
Com a regulamentação atual, o prazo de investimento do investidor anjo sobe de 5 para 7 anos, e acaba com a limitação de a mesma receber como remuneração por seus aporte, até 50% dos lucros gerados pela investida. Foram criados ainda outros incentivos, como financiamentos especiais. Além disso, foram criadas condições especiais e facilitadas para acesso ao mercado (abertura de capital em bolsa de valores) para companhias com receita bruta anual igual ou inferior a R$ 500 milhões.
No entanto, as mudanças promovidas na lei das S.A (Lei n° 6.404/76), que interessam a todas as empresas, foram especialmente relevantes.
O número mínimo de membros da diretoria, que era dois, passa para um.
A liberação de publicação de demonstrações financeiras para companhias fechadas com patrimônio líquido de até R$ 10 milhões, e até 20 acionistas, foi revogada. Em substituição, companhia fechada com faturamento até R$ 78 milhões poderá realizar publicações por meio eletrônico e substituir os livros societários por registros mecanizados ou eletrônicos.
Trata-se de medida que vai facilitar e baratear a administração dessas sociedades.
Além disso, na omissão do estatuto, deixa de ter a sociedade com faturamento até R$ 78 milhões a necessidade de distribuir dividendos mínimos obrigatórios, se a assembleia deliberar de forma diversa.
São medidas que incentivam aos empreendedores em geral a utilização desse tipo societário, que traz uma série de benefícios em relação às sociedades limitadas, notadamente, a discrição quando ao quadro societário, a facilidade de entrada e saída de acionistas e investidores, a possibilidade de emissão de debêntures para financiamento, dentre outras.
Com isso, vai se desmistificando o entendimento comum de que a S.A é o tipo societário exclusivo de grandes empreendimentos. Não é verdade, e agora, menos ainda. O único entrave para pequenos negócios, no entanto, ainda é o fato de S.A não poder optar pelo simples nacional.
Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja.
Nelson Rodrigues
Em geral, o ser humano busca certezas: quer saber se existe vida após a morte; de onde viemos, para onde vamos; se vai ficar pobre ou rico no fim da vida; se o filho vai encontrar uma boa esposa; se a mãe vai desenvolver o Alzheimer que vitimou um tio distante, e por aí vai.
Essa aversão a incertezas, claro, continua dentro do escritório: vale a pena investir na troca de sistema? Compro Tesouro Direto, troco de carro, ou invisto em marketing? A profissão de contador vai acabar? As empresas de contabilidade on-line vão acabar com o meu negócio?
Tudo o que não for o presente ou o passado, é incerteza. Daí que de pouco adianta se preocupar com as incertezas erradas.
Na verdade, pouco adianta se preocupar com qualquer incerteza. Embora seja comum, é estranho gastar energia e tempo imaginando como estarei aos 90 anos de idade (ou mesmo depois de morto), se tenho incertezas mais prementes me mordendo os calcanhares: não sei se o almoço vai causar uma catástrofe digestiva e me impedir de estar na reunião das 17h, ou se o funcionário contratado ontem vai durar, pelo menos, até o fim do prazo do imposto de renda.
É o caso da lavadeira de Waterloo: Napoleão morrendo na frente dela, com todos os efeitos daí decorrentes para a França da época (imagine o que um investidor mais atento faria com essa informação privilegiada), sem contar, é claro, o momento histórico, e ela preocupada sabe-se lá com o quê.
Os investimentos, nossas ações, as práticas de liderança, e todo o esforço gasto na gestão do negócio não seguem uma regra de linearidade.
A equação linear descreve uma realidade na qual o futuro é bem definido. Por exemplo:
Y = 3X
Se X é igual a 2, Y será igual a 6. Se X for igual a 3, Y é igual 9. Em resumo, a cada grau que subo de X, subo três graus de Y.
A regra nos negócios, contudo, não é essa; salvo os investimentos livres de risco, como um CDB, onde para cada 100k investido sei que terei aproximadamente 2k ao final do ano a mais na conta.
Na empresa investimos, trabalhamos, e o resultado aparece em uma escala diferente. Os 100k investidos em treinamento podem redundar em zero de retorno, ou em um acréscimo de 10% no resultado. Na maioria das vezes, nem mesmo se consegue medir o retorno diretamente.
No CDB meço o retorno apenas observando a realidade, afinal, basta olhar o saldo no extrato e saber qual foi o rendimento. Os investimentos empresariais são medidos não pela observação da realidade, mas por uma função da realidade. Em termos matemáticos, seria
Y = f(X)
Onde X é a realidade, e Y o resultado que consigo enxergar.
Voltando ao exemplo do treinamento: quem garante que os 100k investidos em treinamento são os responsáveis pela redução em 30% nas despesas decorrentes de prejuízos causados aos clientes? Pode ser que essa redução tenha ocorrido pela troca do gerente, pela criação de novos processos operacionais, ou pela criação de um departamento de auditoria interna.
E como se não bastassem os complicadores, a incerteza quanto ao resultado pode estar até mesmo dentro do próprio investimento: a redução dos erros da equipe decorreu do treinamento em legislação tributária, ou do treinamento no funcionamento do sistema de informática que apura os tributos?
Como disse, temos uma ideia do resultado: claro que o investimento em treinamento reduz os erros, e reduzindo erros tenho menos despesas, e tendo menos despesas tenho mais lucro. Mas a relação direta e precisa, jamais vou ter.
Então faz como, não investe? Não treina?
Ora, quem pensa em não investir por tal motivo, volta a ser prisioneiro da incerteza. Esse é o ponto aqui: não dá para ser preciso, inexiste linearidade nos processos empresariais.
Aprender isso é essencial para não ter desespero e conseguir fazer um planejamento.
O moral da história está então em trocar a predição pela preparação.
O planejamento não é para prever o futuro, mas visando a preparação para as oportunidades que se vão apresentar, e por ora são desconhecidas.
É o Cisne Negro do Nassim Taleb, eventos improváveis e imprevisíveis, uma cauda estatística, que ao se manifestarem possuem a capacidade de causar impacto significativo.
Cisnes Negros podem ser bons (impacto positivo) ou ruins (impacto negativo). Como são imprevisíveis, não se pode planejar as ações necessárias para absorver seus impactos. No entanto, é possível estar preparado para qualquer que seja o impacto: é o treinamento, o marketing, a gestão, e todas as ações demandadas no escritório cujo resultado não se sabe ao certo qual será.
A lavadeira de Waterloo não estava preparada para o Cisne Negro que lhe bateu à porta, sequer notou a sua existência.
A contabilidade on-line pode destruir o modelo tradicional de escritórios de contabilidade? No lugar de perder tempo se preocupando com a resposta, por que não preparar o escritório para fazer mais do que já faz hoje, e mais do que qualquer serviço on-line pode fazer? É uma atitude útil e divorciada da resposta à pergunta inicial: ganha-se sempre! A melhora no serviço mantém clientes e traz novos, independentemente de externalidades e concorrentes.
O governo vai inventar mais uma declaração para complicar a vida dos contadores? De novo, no lugar de reclamar, melhor aproveitar a oportunidade para melhorar processos, investir em sistemas e automação. Vindo ou não a nova obrigação acessória, a melhoria operacional incrementa o serviço, reduz custos, e turbina resultados.
O foco então muda da preocupação com o futuro, para a preparação para qualquer que seja o futuro.