Nesse início de 2021, o IGPM acumulado dos últimos 12 meses foi de 28%, sendo 5 a 6 vezes maior que outros índices como o IPCA, que está próximo de 4%, e o INPC, que ficou em 5%.
Em razão do conjunto de preços calculados pelo índice, o IGPM é muito mais impactado pelo dólar e por comodities internacionais. Por isso, está descolado da inflação interna do país, e sua utilização como fator de reajuste locatício deixou de cumprir a função reparatória do poder de compra da moeda, para se tornar mero enriquecimento ilícito do locador.
Sob esse fundamento, várias decisões judiciais têm alterado os índices de reajustes de contratos de locação.
A MSA Advogados, por exemplo, conseguiu decisões favoráveis tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo para os seus clientes em relação a isso.
Outros temas têm permeado a relação entre locadores e locatários durante a pandemia: cobrança de aluguel durante lockdowns, cobrança de condomínios em shoppings centers, influência da pandemia nas renovatórias em curso, pagamento de multas nas rescisões antecipadas, redução dos valores da res sperata (ou cessão de uso, licença de uso, dentre outros nomes para as tradicionais “luvas”), cobrança ou não de encargos por atraso, descontos etc.
Em todos esses casos a base é mesma: a redução de público consumidor influencia negativamente o valor locatício do ponto, logo, o contrato precisa ser reequilibrado.
Nas locações de shopping center há um agravante: o locador não é um mero proprietário que cede o uso do seu imóvel em troca de uma remuneração mensal; ao contrário, ele assume a função de trazer consumidores para o seu locatário proporcionando-lhe faturamento, e por isso sua remuneração não é fixa, mas um pedaço desse faturamento. Essa atividade é o que se chama de “tenant mix”.
O tenant mix justifica, ainda, a legalidade de cláusulas especiais no contrato de locação em shopping center (Art. 54 da Lei n° 8.245/91), tais como o aluguel proporcional, o aluguel em dobro em determinados meses, cobrança de fundo de promoção, e assim por diante.
Tendo isso em mente, se por conta da pandemia o tenant mix perde eficácia, e o locador não consegue mais proporcionar o faturamento do locatário, naturalmente que a remuneração por tal atividade – o aluguel e outras taxas – deve ser reduzida em igual medida.
Um argumento comumente utilizado pelos locadores/administradoras de shoppings é a força maior, a imprevisibilidade da pandemia, a partilha do risco de negócio etc. Bem, o tenant mix é atividade do locador, e como toda atividade econômica, seu risco deve ser assumido pelo seu titular, não por terceiros. Não há sentido na transferência desses riscos para o locatário, o qual já suporta os riscos de sua própria atividade: não raro, mesmo com os descontos, reduções etc., ainda assim o locatário quebra e precisa lidar com bancos, funcionários, fornecedores e toda sorte de credores, inclusive o locador.
Ou seja, com menos público e menos faturamento, o ponto comercial vale menos. Qualquer ativo é valorado pelo retorno que pode gerar. Se o retorno cai, o valor do ativo segue o mesmo destino. E tal fato se aplica a toda e qualquer locação.
A MSA Advogados já obteve decisões favoráveis para redução de aluguéis também em locações normais, aquelas fora de shopping center. A motivação é a mesma.
Voltando aos casos dos shoppings, entra ainda nessa discussão a res sperata, o fundo de promoção e o condomínio. A res sperata, as tradicionais “luvas”, que nas locações de shopping ganham nomes diversos (CDU, LDU, etc.), se caracterizam como o preço cobrado pelo locador por ter cedido o ponto ao locatário, por ter dado a ele o direito de ocupar um determinado espaço comercial com as benesses que a lei de locações prevê nesses casos, sobretudo o direito à ação renovatória (Art. 51 da Lei n° 8.245/91). Tal valor geralmente é parcelado ao longo do contrato, ou por uma boa parte do prazo contratual.
Ora, se o ponto reduziu de valor por força da pandemia, a manutenção da res sperata nos mesmos patamares inicialmente negociados vai representar um desequilíbrio contratual. De maneira que também ela está suscetível de revisão judicial.
Outras despesas, tais como condomínio e fundo de promoção, juntamente com o aluguel compõem o chamado CTO – custo total de ocupação. Em seu planejamento, o que o locatário contabiliza é o CTO, não o aluguel em separado. Naturalmente que o CTO é suportável ou não dependendo do faturamento proporcionado pelo tenant mix. Se o faturamento cai, deve o CTO como um todo ser revisto, e não somente o aluguel.
As decisões judiciais têm levado em conta o peso das despesas acessórias à locação, seja por sua redução lógica em decorrência de fechamentos e redução de horários de funcionamento – afinal, estabelecimento fechado gera menos despesas comuns –, seja pela sua composição no CTO, quando comparado com a performance do locatário.
A pandemia introduziu modificações significativas no ambiente de negócios, e os ajustes dos aluguéis comerciais não podem ser diferentes. E o judiciário tem sido sensível a esse novo cenário, analisando cada caso sob a luz dessa nova realidade.
Sobre o autor